Archive for Artur Paredes

Artur Paredes, filho de Gonçalo Rodrigues Paredes e de Maria do Céu, nasceu em Coimbra, no dia 10 de Maio de 1899. Não posso dizer concretamente com que idade Artur Paredes terá começado a tocar guitarra, mas certamente terá sido bastante cedo, pois devemos ter em conta que existia uma tradição na família de tocar guitarra. O seu tio (Manuel Paredes), e o seu pai (Gonçalo Paredes) eram já conhecidos cultivadores da guitarra, eles componham baladas e valsas, e tocavam diversas variações populares neste instrumento. Assim, e tendo também em conta que as variações e músicas da sua família serem bastante tocadas na cidade, é natural que ele tenha desde muito cedo ter tido um contacto directo com as guitarradas da sua família, para além de que em sua casa haveria pelo menos a guitarra de seu pai onde poderia praticar. Segundo Afonso de Sousa (o seu 2º guitarra que o acompanhou durante grande parte da sua vida e também amigo desde que ele se mudou para Coimbra), Artur Paredes terá, após ter ficado órfão, sido institucionalizado num Colégio onde terá aprendido música, pois durante a 1ªRepública sabe-se que todas as escolas e organizações de carácter educativo, teriam no seu programa de estudo a aprendizagem musical.

A primeira informação registada de Artur Paredes, de que tenho conhecimento é a partir de 1924, quando este se casa na Freguesia da Sé, em Bragança, com Alice Candeias Duarte Rosas(2), neste registo o ofício de Artur Paredes é de que ele seria empregado bancário. No ano seguinte, em Coimbra, nasce o seu filho Carlos Paredes, ano em que ele se desloca ao Brasil, com a Tuna Académica da Universidade de Coimbra (Agosto e Setembro de 1925). Terá, também tocado nos respectivos anos anteriores em alguma das serenatas coimbrãs, e tocado com várias pessoas da cidade, da qual mais regularmente: Edmundo Bettencourt, Roseiro Boavida, Aires Abreu, Armando Goes, Afonso de Sousa entre outros.

  1. Da esquerda para a direita, temos Roseiro Boavida, Aires Abreu, Edmundo Bettencourt e Artur Paredes

Estes ajuntamentos ou grupos de pessoas ligadas à música de Coimbra (estudantes ou não-estudantes), eram na verdade bastante regulares existirem por quase todas as ruas da cidade, que desenvolviam as suas composições em diversas romarias, onde se cantava, dançava e tocava até de madrugada. Assim, podemos perceber o ambiente cultural musical e social a que Artur Paredes estava inserido em Coimbra. Muito por causa, apenas existir Universidade em Coimbra no nosso país nesta altura, era frequente o aparecimento de muitos caloiros estrangeiros, que vindo de fora traziam consigo outras influências musicais do país ou da Europa. Assim, podemos entender o facto de nos inícios do século XX, Coimbra ser, naquela época, um local de convergência de vários tipos de música. No final do século XIX e inicio do século XX, aparece em Coimbra, uma grande variedade de peças musicais como: diversos lunduns, possivelmente trazidos por estudantes oriundos de Lisboa influenciados pelos ritmos trazidos de África e do Brasil; polcas, frequentes por quase toda Europa, nesta época; barcarolas; valsas; operetas; zarzuelas espanholas, o que faz bastante sentido se pensarmos que este género aparece com o âmbito de se opor às óperas sérias (um género de elites sociais e que não se adaptava de forma alguma à realidade musical popular da cidade); obviamente existia também várias composições e músicas eruditas que eram representadas geralmente por coros académicos; e ainda várias músicas populares, cantadas e tocadas pelos futricas e estudantes da cidade, sobretudo nas festas e romarias. Penso que, devido a esta realidade musical em Coimbra, é natural que Artur Paredes tenha sido influenciado musicalmente do meio em que se encontrava, e quando ele vai viver para Lisboa, já leva todas essas influências com ele. Para além disso, temos de ter em conta que a sua “tertúlia” vai com ele para a capital, o que faz com que nunca se desligue das suas raízes musicais, assim como o seu filho que nasce num ambiente cultural musical oriundo de Coimbra e mesmo em Lisboa terá sempre influência de gente ligada à cidade do seu nascimento.

Ao falarmos de Artur Paredes, temos de ter, portanto, consciência da tradição familiar de tocar guitarradas populares da região de Coimbra. Não se pode dizer ao certo, quando ele começou a tocar guitarra, mas terá sido desde a sua tenra idade, pois nos inícios da década de vinte ele já faria parte dos conjuntos que se formavam na cidade para realizar serenatas académicas. Foi nesta década que o seu génio musical começou a ser demonstrado em público, e rapidamente ele começaria a transformar diversos temas de carácter popular da sua cidade, em peças instrumentais ou cantadas(4). Como exemplo, desses temas que dariam diversas variações feitas por ele, descobri temas populares que ele organizou e juntou com arranjos virtuosos. Assim, temos no caso da rapsódia nº2 o surgimento dos temas populares de “Margarida vai à fonte” e o tema “Tirana”. Outro exemplo, é o caso da sua Balada do Mondego, que terá surgido do tema popular “Sonhos Dourados”. Outra descoberta que encontrei no seu reportório, foi o facto de as “Variações em Fá, surgirem também, de uma música de carácter popular, apelidada de “Não ames”, da autoria de José Eliseu. Um dos casos mais famosos dos seus arranjos é a conhecida Balada de Coimbra, também esta da autoria de José Eliseu, que Artur Paredes irá tornar numa peça instrumental, ficando ela bastante famosa pelo facto de nas emissões de abertura da RDP em Coimbra, ser esta a música com que começava a emissão, em vez do hino nacional “A Portuguesa”, de Henrique Lopes de Mendonça e Alfredo Keil, que era a música de abertura para o restante país. Muitos mais são os exemplos de vários temas que foram “arranjados” e transformados por ele, em peças únicas que demonstram a sua superioridade composicional musical e o seu enorme virtuosismo técnico que a grande maioria dos guitarristas de Lisboa, Porto e até mesmo de Coimbra não tinham. Tendo em conta as suas obras, de uma forma geral, pode-se dizer que as peças que ele transpõe para guitarra são geralmente arranjos de músicas populares de origem coimbrã, ou simplesmente reproduções integrais da peça original, respeitando o autor da obra. Estes arranjos que falo, são geralmente variações sobre um tema principal. O caso das rapsódias dele, não são mais do que diversos temas populares encadeados uns nos outros, com variações sobre elas no meio dessas junções dos temas. Existem, porém outras variações e composições originais dele, que demonstram a sua facilidade técnica composicional. A esta aptidão musical, juntou-se também o facto de este ter estudado profundamente o seu instrumento e todas as capacidades e potencialidade que este retinha. Diz-se, que que ele seria mesmo um auto-didacta, que estudou a guitarra de Coimbra através da experimentação, o que faz todo o sentido se tivermos em conta que, este regravou diversas vezes as suas obras na procura de as melhorar e introduzir novos pormenores composicionais ou apenas técnicos na forma de tocar determinada nota ou acorde. Relativamente a este aspecto, que está ligado à sistematização da técnica de execução da guitarra, que anteriormente se tocava com três ou quatro dedos (como no caso da guitarra clássica), penso que a seu grande feito está no movimento desenvolvido por ele da mão direita. Ou seja, para além do movimento de vaivém do dedo indicador (dedilho), ele vai criar uma padronização da utilização do polegar e do indicador, o que antes dele não existia. Sabe-se, através do conhecimento oral, que alguns guitarristas em Coimbra, como o seu pai, já tocariam guitarra no início do século XX, com apenas dois dedos, mas também é um facto que não existia qualquer tipo de padronização, na verdade era até bastante comum utilizar-se uma palheta para tocar. Assim, é natural que o surgimento do seu cognome: “o rei da guitarra”, não demorasse a aparecer quando ele começa a tocar publicamente. Ele torna-se numa espécie de herói da guitarra nesta altura, e segundo a lenda, ele chegaria mesmo a tocar muitas vezes de costas para que mais ninguém pudesse ver a forma como ele executava as peças na sua guitarra. Embora, seja apenas uma lenda, penso que como todas tem uma ponta de verdade, e a verdade nesta história, é que Artur Paredes não gostava de tocar em público devido ao facto de muitas vezes colocarem gravadores junto dele a fingir de microfone, para mais tarde irem gravar as suas músicas, sem o seu consentimento, nas editoras e apoderarem-se delas. Estas histórias de tentativas de descobrir a forma como ele tocava determinada peça, devem ser entendidas como uma demonstração da dificuldade técnica que ele impunha em quase todas as suas peças. Existem, ainda assim alguns discos de 78 rotações que ajudaram em muito a conhecer a obra deste autor, embora estejam em fracas condições, devido à quantidade de vezes que ele terá sido repetido para conseguir chegar ao método técnico que ele empregava na mão direita, pois era necessário deixar o disco acabar para se ouvir novamente.

Concluindo este capítulo sobre quem foi Artur Paredes, quero apenas realçar que ele transformou diversos temas populares da sua cidade, tanto na voz como na guitarra, onde se consagrou como um génio, pelo seu grande virtuosismo. Influenciou várias gerações futuras, o seu filho Carlos Paredes e ainda todo um género musical, muito por causa da forma como tocava. Contribuiu também, para o abandono da guitarra toeira em prol da sua evolução para a actual guitarra portuguesa de Coimbra. Ele faleceu em Lisboa, na Freguesia de Anjos, a 20 de Dezembro de 1980, mas deixou-nos o seu reportório suficientemente vasto para qualquer guitarrista poder entreter-se durante toda a sua vida, pois as suas peças são, de facto, de um grau de execução muito elevado.

Artur Paredes

ARTUR PAREDES (VARIAÇÕES EM RÉ MENOR)

Quem acorda na corda de uma guitarra?

Já consigo concorda e não concorda.

Já o tocador agarra e não agarra.

A mão que na guitarra se recorda.

A mão que se faz águia e se desgarra

Na corda que recorda quando acorda

A garra que há por dentro da guitarra.

Já consigo concorda e não concorda.

Já o tocador carrega e não consegue

Parar dentro de si a própria corda

Já a mão a si mesma se persegue

E se desgarra em garra e águia solta

Quando súbito acorda e se recorda

Que da última nota ninguém volta.

José Régio:

Ai choro com que o Paredes

Vibrando os dedos em garra

Despedaçava a Guitarra

Punha os bordões a estalar

Afonso de Sousa:

Coimbra na noite calma

Uma guitarra gemeu?

Porque me iludes a alma

Se Artur Paredes morreu?

Carlos Carranca:

Não consigo

No poema

O valor exacto do teu génio.

És mais e mais

E simples como a terra.

Dedilhador e coisa dedilhada.

Guitarra-a-partir,

Guitarra a ficar

Nas tuas mãos

Fecundas

E sagradas.